domingo, 28 de novembro de 2010

Neruda e os gatos


Ode ao gato
Os animais foram feitos
imperfeitos,
compridos de rabo,
tristes de cabeça.
Pouco a pouco
se foram compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, voo.
O gato, só o gato apareceu
completo e orgulhoso:
nasceu completamente
terminado, anda sozinho
e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe
e pássaro
a serpente quisera ter asas,
o cachorro
é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento
à ratazana viva,
da noite
até os seus olhos de ouro.
Não há unidade como ele,
não tem a lua nem a flor tal
contextura: é uma coisa só
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha
em seu contorno firme e sutil
é como a linha da proa
de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só ranhura
para jogara as moedas da noite
Oh pequeno imperador
sem orbe, conquistador sem
pátria, mínimo tigre de salão,
nupcial sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas quando passas
e pousas quatro pés delicados
no solo, cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente da casa,
arrogante vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta dos quartos,
insígnia de um desaparecido
veludo,
certamente não há enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti
e pertences ao habitante
menos misterioso,
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios de gatos,
companheiros, colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.
Eu não. Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu
arquipélago, o mar e a cidade
incalculável, a botânica,
o gineceu com os seus extravios,
o por e o menos
da matemática, os funis
vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada
do bombeiro, o atavismo azul
do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua
indiferença, os seus olhos
têm números de ouro.

Pablo Neruda

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Procura-se gata maluca

Estava anoitecendo e eu estava indo para a faculdade resolver uns assuntos com meu grupo sobre o projeto final do curso. Eugenio estava me acompanhando e no caminho, deveria passar pela casa de uma amiga de minha mãe que morava a poucos metros de nosso prédio. Não, não é a história da Chapeuzinho Vermelho.

Íamos lá levar não sei o que quando avistamos uma gatinha de coleira no meio da pracinha. Gateiros que somos, paramos para admirar a simpática felina. Muito atenciosa, fez umas gracinhas e quando seguimos adiante, começou a nos acompanhar. De repente, passava correndo em nossa frente, parava, olhava curiosa para os outros lados, atraída por barulhos e movimentos. Novamente passávamos dela e depois ela vinha correndo.

Ao chegar na casa da amiga, possuidora de um cachorro, a gatinha simplesmente virou-se de costas, indiferente à presença e aos latidos do cão. Esperou que fizéssemos nossa tarefa e continuou seguindo. Mas, o tempo foi passando e eu deixei de encontrar as colegas só para me divertir com esse bichinho.

Fomos até nosso prédio, minha mãe desceu só para ver a figurinha que nos acompanhava do mesmo jeito, correndo, parando e passando em nossa frente. Quer dizer, quase do mesmo jeito porque ela ficava para trás de nós, vinha correndo, passava por nós e se jogava no tronco da árvore e ficava lá agarrada até passarmos por ela.

Ao chegar no prédio, o Betinho estava na sacada e ficava miando para a gatinha. O problema é que não estava acostumado a ir para a rua e lá ficou, desejando a gata e sua liberdade. Coitado do meu velhinho. Enfim, a gata louca subiu em uma árvore pequena talvez para observar a vizinhança ou mostrar que ela, com seu pequeno porte podia fazer o que nós não conseguíamos. Atraiu outros gatos da redondeza que silenciosamente foram aparecendo.

Tiramos várias fotos com a maluquinha. Depois de muito tempo em sua companhia, resolvemos subir, ela tinha coleira, provavelmente um dono também. Infelizmente, nunca mais vi a pequenina companheira, que se jogava na árvore.


Visitando nosso prédio

Gata louca em cima da árvore

Betinho na sacada observando com seus olhos iluminados